Escrito por Iza
Locatelli*
A avaliação, entendida como um processo amplo de
tomada de decisões no âmbito dos sistemas de ensino, é algo recente no Brasil.
Temos pouco mais de uma década de avaliações sistemáticas. Hoje, quase todos os
estados e muitos municípios contam com seu próprio sistema de avaliação. Em
todos, mais do que conteúdos, são analisados competências e habilidades, o
próprio currículo, os hábitos de estudo dos alunos, as estratégias de ensino
dos professores, o tipo de gestão dos diretores e os recursos a eles oferecidos
para melhor realizar o seu trabalho.
A avaliação é condição necessária para que se
possam estabelecer e acompanhar metas qualitativas e quantitativas e verificar
se estas últimas são atingidas.
Há, portanto, necessidade de contar com mecanismos
que permitam produzir informações sobre o que se ensina e o que se aprende nas
escolas e sobre a forma de dar mais transparência aos sistemas educacionais
perante a sociedade.
Fala-se muito em mudanças e inovações do sistema
educacional estimuladas pela avaliação. Qualquer mudança, no entanto, tem de
ser assumida e implementada dentro das escolas. Mudar a educação é mudar a
escola. Se tivermos a intenção de usar a avaliação para melhorar a educação,
esta terá que ser trabalhada dentro das escolas, sendo seus resultados
utilizados efetivamente pelos professores e alunos no cotidiano da relação
ensino x aprendizagem.
Avaliação externa e
interna
A avaliação de um sistema de ensino deve se basear,
também, na avaliação das escolas por elas próprias. Nesse caso, além das
avaliações nacionais, estaduais e municipais, cada escola deve se autoavaliar
quanto a seus programas, projetos, materiais pedagógicos, recursos,
professores, alunos, a sua gestão, infraestrutura e a seu pessoal de apoio.
A importância de a escola se autoavaliar está no
fato de que, sendo o local onde as coisas acontecem, é, também, onde se dá o
diálogo entre equipe, pais, alunos e autoridades gestoras do sistema. Toda a
comunidade escolar deve ser preparada para poder combinar os produtos das
avaliações externa e interna. Só uma boa e séria avaliação interna permitirá às
escolas a construção de um diálogo efetivo com a avaliação externa. Quando isso
não ocorre, a avaliação externa pode gerar atitudes defensivas, não atingindo
seus objetivos.
A avaliação intraescolar é um processo que exige
uma tomada de consciência da importância da avaliação para que se estruturem
processos de mudanças. Envolve, ainda, descentralização e treinamento de
equipes escolares.
Cabe aos gestores de políticas públicas em
educação, agora que a avaliação já está sendo institucionalizada, tomar
iniciativas para que grupos de escolas se reúnam, discutam seus problemas,
formulem estratégias de avaliação, utilizem a linguagem da avaliação, descubram
suas potencialidades e adequem suas ações às necessidades específicas de suas
clientelas.
Ninguém, na realidade, aprende a avaliar discutindo
conceitos de avaliação. É preciso experimentar, tentar, criar estratégias,
envolver a equipe, tendo como horizonte melhorar a qualidade da educação e
diminuir índices negativos, sejam de desempenho, evasão ou repetência.
Normalmente, deve-se selecionar alguma questão e envidar esforços para praticar
a avaliação interna sobre ela. Não é difícil organizar uma base de dados por
escola, base esta que deverá conter índices de matrícula, evasão, desempenho,
repetência, projetos implementados, currículo praticado e tudo o que for
julgado pela equipe como insumo necessário à avaliação da escola.
Envolver professores, pais e alunos na tarefa de
avaliação intraescolar não é fácil, mas não é impossível. À medida que as
escolas começarem a efetuar suas próprias avaliações internas, haverá maior
facilidade em obter subsídios a partir das avaliações externas, de tal forma
que o processo avaliativo cumpra sua função: mudar o que precisa ser mudado,
aperfeiçoar o que precisa ser aperfeiçoado, construir o que precisa ser
construído.
A avaliação, portanto, deve servir de base para o
diálogo e não para dar origem a descrições assertivas e unilaterais. Escolas
habilitadas à avaliação interna entenderão que avaliar é um processo contínuo,
coletivo e não uma atividade isolada. Dessa forma, se envolvidas em sua própria
avaliação, as escolas terão condições de se confrontar com diferentes
perspectivas e conclusões.
Alunos, professores e gestores de escolas devem se
tornar participantes ativos dos diálogos de avaliação em vez de serem
recipientes passivos das descrições e dos julgamentos feitos. O papel de uma
avaliação externa é o de fazer com que as escolas tenham um olhar de
estranhamento sobre elas próprias. Esse tipo de avaliação oferece, ainda,
possibilidades de observar o desempenho dos alunos, mas também tem limites, o
que torna indispensável a avaliação em sala de aula, pelo professor.
Limites e
possibilidades das avaliações externas
Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro vem desenvolvendo avaliações externas, bimestralmente, em duas
disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática. Todos os alunos do Ciclo
Intermediário ao 9º ano realizam testes com a finalidade de aferir as
habilidades por eles dominadas nessas disciplinas. Cada professor recebe o
resultado de sua própria turma, o que permite que cada escola e cada turma olhem
para si próprias e percebam o nível de domínio já alcançado nas habilidades
propostas ou o que fazer para levar seus alunos a alcançá-lo.
Os testes organizados pelos especialistas da
Secretaria Municipal de Educação adotam o modelo de múltipla escolha, por este
fornecer uma série de possibilidades, entre as quais destacamos a redução
da subjetividade na correção, a possibilidade de avaliar uma grande quantidade
de habilidades, a discriminação precisa do nível de domínio de cada habilidade
testada e a possibilidade de cada professor verificar, através do percentual de
acertos de seus alunos, como sua turma se encontra em relação ao conjunto de
alunos do município. No entanto, esse formato tem limites, tais como a
dificuldade na elaboração de itens de acordo com as habilidades requeridas,
dentro do nível de complexidade exigido. Há, também, o problema de não avaliar
a escrita dos alunos, só a leitura e a interpretação de textos, além de não
permitir verificar o desenvolvimento do raciocínio matemático, isto é, o aluno
examina e escolhe alternativas propostas, mas não expressa suas próprias
ideias.
Mesmo oferecendo limitações, os testes de múltipla escolha são a melhor forma
de se acompanhar o desenvolvimento das habilidades dos alunos de todo um
sistema educacional. Seus limites podem e devem ser revistos pelos professores.
Se cada professor, depois dos testes de múltipla escolha, refizer todas as
questões com seus alunos sob a forma de perguntas abertas, certamente, esses
limites impostos pela necessidade de se usar um determinado tipo de questão
desaparecerão.
O papel da avaliação
do professor
Nos parágrafos anteriores, fica clara a necessidade de diálogo entre os
diferentes tipos de avaliação, porém, é relevante discutir a grande importância
das avaliações realizadas pelos professores em sala de aula.
A avaliação do professor deve ser formativa,
indo além das demonstrações do “saber” de seus alunos, enfocando hábitos,
atitudes e valores a serem construídos e solidificados. Certamente, deve
ser diagnóstica, verificando possíveis problemas na formação de conceitos e
habilidades, antes que essas dificuldades se transformem em grandes problemas.
Um claro exemplo disso é o da formação do conceito parte-todo, que está na raiz
da resolução de problemas que envolvem frações e decimais, presente em todas as
séries do Ensino Fundamental.
O desenvolvimento dos alunos e seus desempenhos
podem ser bastante aprimorados quando as informações de vários tipos de
avaliações, não necessariamente testes e provas, são usadas pelos professores
para discussão com seus alunos. São também formativas as informações sobre o
rendimento do trabalho do aluno em diferentes grupos, projetos e a própria
participação de cada aluno em sala de aula. Nada, portanto, substitui a
avaliação professor/aluno.
Além disso, em geral, os próprios professores
realizam suas avaliações somativas ou informativas ao fim de cada unidade de
trabalho ou bimestre e, a partir do que detectam, normalmente, reveem
habilidades não de todo dominadas, modificam estratégias de ensino, retomam
conceitos sem se ater pura e simplesmente a lançar novos conteúdos e
habilidades prescritas no currículo. É importante, também, levar os alunos a se
engajarem no processo de avaliação, nos diversos momentos da sala de aula, de
tal modo que a avaliação participativa desmistifique a avaliação final como
modelo único.
Como conclusão, pode-se afirmar que, se todos os
tipos de avaliação dialogarem entre si, os maiores beneficiários desse diálogo
serão os alunos. Na realidade, a avaliação deve deixar de ser um discurso de
descrição e julgamento para se tornar um discurso de diálogo.
*Doutora em Educação PUC/Rio
Referências bibliográficas
LOCATELLI, I. Construção
de instrumentos para a avaliação em larga escala e indicadores de rendimento: o
modelo do Saeb. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 25, p.3-21, 2002.
(_______) Novas Perspectivas de
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(_______) Prática pedagógica,
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(_______) Avaliações em
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SACRISTAN, G. Consciência
e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA,
Profissão, Professor. Porto Editora, 1995.
Prezados professores:
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